O 28 de abril é comemorado o Dia Mundial da Educação. Segundo a UNESCO:
“A educação é um direito humano fundamental e é essencial para o exercício de todos os direitos. Mesmo assim, existem ainda cerca de 781 milhões de analfabetos no mundo, e cerca 58 milhões de crianças ainda se encontram fora da escola primária, e muitos jovens e mulheres e homens adultos continuam sem aprender o que precisam saber para dirigir suas vidas com saúde e dignidade.”
A data foi escolhida durante o Fórum Mundial de Educação, realizado nos anos 2000, na cidade de Dakar, no Senegal.
O evento contou com a presença de representantes de 180 países, que se comprometeram a não poupar esforços para que a educação chegasse a todas as pessoas do planeta até 2015.
Rubem Alves e a Educação
Rubem Alves, escritor e educador brasileiro, escreveu uma crônica especial com o tema “Educação”.
Em “A Escola dos meus Sonhos”, questiona determinados valores atribuídos ao modelo de ensino atual e conta, ainda, como se apaixonou pela Escola da Ponte, em Portugal.
Um lugar único, onde alunos e professores convivem como amigos na fascinante experiência da descoberta. (Fonte Revista Educação)
A Escola dos meus Sonhos – Rubem Alves
(Texto adaptado, confira a crônica completa na Revista Educação)
Vou contar um caso de amor. Amor à primeira vista.
Eu me apaixonei pela Escola da Ponte. Bastou vê-la para que um passado reverberasse dentro de mim.
Não tenho memórias dolorosas do grupo escolar. As coisas a serem aprendidas eram fáceis e eu as aprendia sem esforço.
Mas minha efervescência intelectual – pois as crianças também têm efervescências intelectuais – estava em outro lugar: no mundo que começava quando eu saía da escola.
No grupo escolar, nos ensinavam o que o programa mandava: o nome de serras, Serra da Mata da Corda, do Espinhaço, da Bocaina; o nome de afluentes de rios distantes, dos quais a única coisa que aprendíamos eram… os nomes.
O que me foi útil no exame de admissão, porque me perguntaram o nome da segunda maior ilha fluvial do mundo.
Tupinambarana. Eu sabia o nome. Mas ainda hoje, nada sei sobre a ilha. […] […]Conto essas coisas da minha vida de menino para dizer que as crianças são curiosas naturalmente e têm o desejo de aprender.
O seu interesse natural desaparece quando, nas escolas, a sua curiosidade é sufocada pelos programas impostos pela burocracia governamental.
Pela minha vida tenho estado à procura da escola que daria asas à curiosidade do menino que fui.
Pois, de repente, sem que eu esperasse, eu me encontrei com a escola dos meus sonhos. E me apaixonei.
Novas formas de ver
Tudo começou em 2000, via internet.
Comecei a receber e-mails de um desconhecido de Portugal, Ademar Ferreira dos Santos.
Uma brasileira lhe havia dado um livrinho meu, Estórias de Quem Gosta de Ensinar. Ele gostou.
Sem nos conhecermos pessoalmente, nos descobrimos amigos.
Ele me convidou para ir a Portugal e falar aos professores da Universidade de Braga e adolescentes de uma escola secundária.
Fui e fiz. Foi bom.
Aí, numa manhã, ele me disse: “Vou levar-te a conhecer uma escola diferente.” “Diferente como?”, perguntei. “Não é possível dizer-te. Tu verás.”
Chegamos à escola. Na sua frente havia um pátio arborizado. Lá estava o diretor, professor José Pacheco.
Mais tarde, aprendi que ele se recusa a ser chamado de diretor, por razões que explicarei mais tarde.
Minha expectativa era que o diretor, por um mínimo dever de cortesia, haveria de levar-me a conhecer a escola.
Homem de poucas palavras, trocamos meia dúzia de banalidades. Vinha passando à nossa frente uma menina de uns 9 anos. Ele a chamou e disse: “Tu podes mostrar e explicar a nossa escola ao nosso visitante?” “Pois, pois”, respondeu a menina, sem mostrar nenhuma surpresa.
Ato contínuo, ele me abandonou e fiquei eu à mercê da menina.
Os primeiros sustos
[…]Chegando à porta, ela parou, voltou-se para mim e disse em voz resoluta e confiante: “Para entender a nossa escola, o senhor terá de se esquecer de tudo o que o senhor sabe sobre escolas.
Não temos turmas, não temos alunos separados por classes, nossos professores não dão aulas com giz e lousa, não temos campainhas separando o tempo, não temos provas e notas.”
Foi o segundo susto.
As palavras da menina produziram um vazio na minha cabeça.
Porque as escolas que conheço, mesmo as mais experimentais e avançadas, têm professores dando aulas, têm turmas, têm salas de aula que separam as crianças, têm provas e testes, têm notas e boletins para o controle dos pais.
Professores aprendizes
Perguntei: “E como é que vocês aprendem?”
Ela me respondeu: “Formamos um pequeno grupo de seis pessoas em torno de um tema de interesse comum. Convidamos um professor para ser nosso assessor.
Ele nos ajuda com informações bibliográficas e de internet.
Estabelecemos, de comum acordo, um programa de trabalho de duas semanas. Durante esse tempo, lemos e pesquisamos. Ao cabo de duas semanas, nos reunimos para avaliar o que aprendemos e o que deixamos de aprender.”
Percebi logo que naquela escola não podia haver livros-texto.
Livros-texto são onde se encontram os saberes que, por escolha e determinação de uma instância burocrática superior, devem ser aprendidos pelos alunos.
O conjunto desses saberes se denomina “programa”. Mas acontece que a curiosidade não segue os caminhos determinados pela burocracia.
“Todas as crianças têm o mesmo ritmo. Por isso as crianças têm de aprender no ritmo em que as aulas são dadas.”
Ah, o ritmo das aulas. Toca a campainha, é hora de pensar português.
Toca a campainha, é hora de parar de pensar português e começar a pensar matemática.
Toca a campainha, é hora de parar de pensar matemática e começar a pensar geografia. E assim por diante.
O ritmo e a fragmentação das aulas estão em completo desacordo com tudo o que sabemos sobre o processo de pensamento.
Não é possível dar ordens ao pensamento para que ele pare de pensar numa coisa numa certa hora e comece a pensar em outra.
Para concluir, fica o pensamento de Rubem Alves sobre “as duas caixas” da educação:
As duas caixas
Já resumi minha teoria de educação dizendo que o corpo carrega duas caixas.
Uma delas é a “caixa de ferramentas”, onde se encontram todos os saberes instrumentais, que nos ajudam a fazer coisas.
Esses saberes nos dão os “meios para viver”.
Mas há também uma “caixa de brinquedos”. Brinquedos não são ferramentas. Não servem para nada.
Brincamos porque o brincar nos dá prazer.
É nessa caixa que se encontram a poesia, a literatura, a pintura, os jogos amorosos, a contemplação da natureza. Esses saberes, que para nada servem, nos dão “razões para viver”.
O dia 28 de abril faz com que lembremos que educação é um direito de todos e precisa, sim, do compromisso por parte não só do governo, mas de toda a população.
Vamos, então, quebrar paradigmas dos modelos de ensino e encontrar a tal caixa que nos dá “razões para viver”?
Feliz Dia Mundial da Educação!